Para quem viu, ouviu e viveu, mas ainda não esqueceu, 2003 e 2005 e 2007 e tudo o que aconteceu antes… o que já se disse e discutiu e as barbaridades que se vão ouvindo… vindas de gente que pelo menos devia ter memória e espírito crítico!
Os fogos que importam discutir são os grandes… o que importa efectivamente saber é porque arde tanto e tão depressa. Mas é muito mais fácil para todos, discutir “como começou o fogo”, pois interessa a todos culpar esses malandros dos Incendiários… Que apesar de serem muito menos importantes do que se diz, ainda são demasiados. E assim não se fala da negligência e responsabilidade de todos nós.
Portugal já tem reservados os fogos todos necessários para as próximas décadas, pois nem este dispositivo de combate, nem nenhum (que possamos pagar) será capaz de controlar a situação catastrófica em que se encontra a paisagem que cobre grande parte do nosso território.
E as alterações que se impõem são morosas, a área é tanta, que ainda que trabalhemos muito e depressa vai demorar muito tempo até conseguir resultados efectivos e todos os próximos anos vão ter um Verão… e em todos os Verões costuma fazer calor e depois vem o Vento Leste e a baixa Humidade e se vierem também as Alterações Climáticas… Uui…
Continuamos a discutir os sintomas da doença, em lugar de procurar a causa e os remédios que a tratem.
Chega a ser doloroso ouvir as notícias, comentários e propostas que vão surgindo…
As transformações socioeconómico que aconteceram ao mundo rural são de uma enorme magnitude, no entanto, como aconteceram lentamente, são hoje negadas de forma veemente como se tivéssemos tido sempre esta insustentável paisagem carregada de combustível. Convêm lembrar que há apenas cem anos as áreas de Pinhal eram muito poucas e há 60 anos quase não existiam Eucaliptos e entretanto estas duas culturas invadiram a nossa paisagem.
Para o futuro sobram dois caminhos:
Ou abandonar definitivamente estes territórios que serão cada vez mais percorridos regularmente por fogos, nos quais pela recorrência tenderá a apenas sobreviver uma vegetação sem qualquer interesse económico. Esta solução permitiria, poupar recursos no combate mas significaria desistir de uma enorme parcela do território nacional.
Ou então procurar atenuar efectivamente o impacto dos fogos e reduzir significativamente (não a área ardida) mas os seus custos económicos e ambientais.
A solução para um problema da dimensão e complexidade dos fogos em Portugal não é, nem poderia ser, única ou simples.
Importa perceber que são necessárias muitas e concertadas alterações, em muitas áreas, de que se destaca, em especial, a questão da posse e gestão da terra, pela posição basilar que ocupa.
Sim, é fundamental parar de falar e fazer leis para um mundo rural moribundo como se este estivesse como era há 50 anos. Hoje na esmagadora maioria dos territórios mais atingidos pelos incêndios vive apenas uma população fortemente envelhecida, que é proprietária de apenas uma parte (muitas vezes pequena) desses territórios.
Os proprietários de grande parte das áreas que vemos arder já não vivem sequer no mundo rural, saíram… estão na Vila, na Cidade, na Capital, estão espalhados pelo Mundo! São médicos, professores, caixas de hipermercado, deputados, motoristas, pedreiros…. Mas continuam a ser proprietários e legitimamente muitos deles esperam inclusivamente vir a ter como no passado rendimento destas propriedades (sim porque como é bem sabido… A floresta dá rendimento sem trabalho!)
Não interessa ao mundo rural, de forma alguma, perder o enorme potencial que representam as ligações emocionais e afectivas destes milhões de proprietários ausentes, apesar de a esmagadora maioria nunca mais voltar em definitivo. Temos que ter a inteligência de saber fazer com que continuem proprietários, mas encontrar formas de os substituir quando é necessário fazer alguma coisa nas suas propriedades.
Sim, é possível! Da mesma maneira que é possível fazer Bancos ou Empresas com o dinheiro dos outros, com sociedades anónimas, com acções e títulos de participação e fundos imobiliários. Mas é necessária muita organização e transparência para cativar e manter a confiança das pessoas. É possível separar a questão da posse da terra da sua gestão, desde que se criem mecanismos aceitáveis e aliciantes. Desde que respeitem os direitos inequívocos dos proprietários.
Porque a floresta como cultura extensiva pode beneficiar muito dos ganhos de escala, temos de, com carinho e muita paciência, explicar a toda a gente que as parcelas de terreno pequeninas em que se encontra organizada a nossa floresta inviabilizam o ordenamento e impossibilitam ganhos que só uma maior escala pode trazer. Mas que é possível continuar proprietário da terra e receber a sua produção apesar de estar ausente e o trabalho ser feito por outros.
E por isso não podemos deixar morrer as ZIF – Zonas de Intervenção Florestais, mas pelo contrário temos que ultrapassar os actuais constrangimentos e construir novas formas de gestão para o território.
É fundamental ajudar também os proprietários que têm condições para gerir as suas propriedades a obter ajuda técnica e financeira, para melhorar a produtividade e rentabilidade das suas parcelas.
Temos de interiorizar que a aldeia já não tem força por si, para modelar a paisagem à sua volta. Pelo contrário, em grande parte delas, a floresta está a entrar pelos quintais das casas adentro.
É importante dizer devagarinho, a quase toda a gente, que a floresta não é como se fosse um “pipi” que tem que estar limpinho… e ao qual se faz uma limpeza diária….
Mas ao pé das casas… sim, aí sim, tem que estar tudo limpinho e arrumado.
A floresta apenas poderá suportar uma limpeza localizada, nos sítios estratégicos de modo a criar descontinuidade, porque a sua rentabilidade é baixa. E se a floresta não tiver rentabilidade… também não vai ter sustentabilidade…
Temos de gritar bem alto que NÃO É POSSÍVEL TER FLORESTA, SEM DESCONTINUIDADE, EM ÁREAS TÃO EXTENSAS num clima como o nosso, que tem que existir compartimentação e gestão da paisagem.
Temos de utilizar zonas com outras actividades, nomeadamente agricultura e pastorícia e tudo o que for viável, para criar descontinuidade, para baixar o risco e viabilizar a floresta e com isso criar sustentabilidade no território.
Temos que explicar de mansinho, às nossas criancinhas, que na maior parte do nosso País não devemos plantar mais árvores… pois já temos árvores a mais, que a seguir aos fogos nascem milhões de sementes, e que é necessário e urgente retirar as plantas em excesso. Porque senão nunca iremos ter uma floresta viável.
Temos de aproveitar todas as oportunidades para dizer que existirem apoios para florestação de terras agrícolas é importante em alguns locais do nosso País, mas é quase criminoso em grande parte do território promover essa situação.
Temos de explicar com paciência aos nossos governantes que o investimento na floresta, apesar de ser muito importante para o País, é efetivamente muito pouco aliciante para os proprietários porque os riscos são enormes, a rentabilidade é baixa e os períodos de retorno são, no caso das áreas ardidas recentemente, quase sempre para além do horizonte de vida do proprietário (25/30 anos)… Para que eles possam explicar isto em Bruxelas e as ajudas ao sector subam para valores minimamente aliciantes.
Temos que continuar a fazer muita coisa que estamos a fazer bem, como envolver os Municípios nesta problemática, pois eles têm competências e portanto obrigações na gestão e ordenamento do território. Temos que continuar a formar gente em fogo controlado e fogo táctico, e a utilizar os bulldozers para apagar fogo e aprender a planear o combate em função da situação e a construir e utilizar cartografia digital para isso ser possível.
Temos de dizer a toda a gente que apesar de não ser suficiente… temos que manter os caminhos e pontos de água, e Sistemas de Vigilância eficazes e uma capacidade de Primeira Intervenção de excelência e Bombeiros com bons carros e aviões e helicópteros.
E à medida que formos gerindo melhor o nosso território poderemos poupar um pouquinho em tudo isso… Mas a floresta mesmo ordenada e compartimentada, tem sempre tendência para arder num clima como o nosso.
Temos que voltar a centrar a discussão do problema nas questões do Ordenamento, Gestão e Sustentabilidade.
Temos de acreditar que somos um País de gente crescida que sabe enfrentar os seus problemas com frontalidade, coragem e capacidade de decisão, que sabe tomar medidas difíceis, e que às vezes, até consegue tomar decisões em benefício das próximas gerações. E portanto tudo isto se resolverá…
Poderemos então duma forma digna e de cabeça levantada honrar efetivamente todos os que têm perdido a vida no inglório combate aos Incêndios Florestais.
Temos que continuar a acreditar…
Mas não é fácil…
E cansa… cansa muito!
António Louro
Vice-presidente da Câmara Municipal de Mação
Presidente da Direção do Fórum Florestal – Estrutura Federativa da Floresta Portuguesa, Entidade Nacional representativa das Organizações de Produtores Florestais
Fonte: Médio Tejo